sábado, 24 de abril de 2010

Legados da civilização da seca

Semiárido brasileiro possui uma riqueza cultural, pouco conhecida do restante do país, que corre o risco de se perder da memória das gerações futuras.

            O semiárido brasileiro, em especial o sertão nordestino, guarda uma riqueza cultural pouco compreendida e não valorizada pelo restante do País. Expressa na arquitetura, arte, culinária, literatura, medicina caseira e religiosidade, essa identidade cultural é única e peculiar, mas parte dela corre o risco de se perder da memória das gerações futuras, caso não sejam tomadas iniciativas para preservá-la com a criação de novos museus.
            “É preciso resgatar os objetos históricos que representam a cultura da região antes que sejam deteriorados pelo tempo, pois muitos são feitos de materiais perecíveis, como a madeira, o couro e o barro”, alerta o engenheiro agrônomo Benedito Vasconcelos Mendes, da Universidade do Estado do Rio Grande Norte (UERN), que abordará este assunto durante a Reunião Regional da SBPC em Mossoró. Promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o evento será realizado de 14 a 16 de abril próximo e tem o objetivo de discutir o desenvolvimento sustentável do semiárido, entre outras questões de interesse nacional.
            Com 15 livros publicados sobre a vegetação, animais e ecologia do semiárido, Mendes é também um autodidata da cultura do semiárido. Passou 40 anos viajando pelo sertão nordestino, coletando informações e peças para uma coleção que hoje está exposta no Museu do Sertão, em Mossoró. Desta experiência, o pesquisador carrega uma certeza. “A cultura do semiárido é fruto da chamada civilização da seca, de gente forjada em um ambiente inóspito, com secas catastróficas, vegetação raquítica e solo pobre. Tudo isso mesclado com a herança das culturas portuguesa e índia”, afirma.  
            Na arte, essa cultura se expressou de uma maneira distinta do restante do País. Enquanto no período colonial o conceito predominante era a arte contemplativa, no semiárido a arte era utilitária. “O homem do sertão vivia atormentado pela seca, sempre em busca de sua sobrevivência, e isso se refletiu no seu conceito de beleza”, diz. “Era uma arte feita por artífices, pedreiros, carpinteiros, rendeiras, louceiras e ferreiros”, acrescenta. Esse conceito utilitário da arte, diz ele, também se expressou na arquitetura, com as construções de taipas, e na engenharia empírica, com as máquinas e os utensílios domésticos.
            Até a literatura de cordel, herdada dos portugueses, teve esse caráter utilitário, no sentido de contribuir para a manutenção das tradições regionais. O mesmo se aplica à culinária. Farinha de mandioca, rapadura, feijão de corda, queijo de coalho e manteiga de garrafa são alguns dos exemplos de comida feita para ser estocada e durar anos, de forma a driblar os períodos de seca.
            A religiosidade é outro exemplo da complexa cultura da civilização da seca. Segundo o pesquisador, o endeusamento de líderes religiosos, como Padre Cícero, Frei Damião e Antônio Conselheiro, por exemplo, se deve ao papel que esses homens exerciam na vida do sertanejo, dando conforto espiritual para o homem atormentado pela seca. Muitas vezes, eles também supriam a ausência do estado, como no caso do Padre Ibiapina que construiu hospital, cemitério e várias cisternas nos sertões dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. “Isso ajuda a explicar a postura messiânica e às vezes fanática do povo em relação aos líderes religiosos no final do século XIX.”
            Cultura judaica-indígena – Ao contrário da maior parte do País, a cultura negra teve pouca influência nos costumes da região. A pecuária, principal atividade na época da colonização, dispensava a maior parte dos serviços escravos. Mas, por outro lado, exigia que os índios fossem dizimados para que a terra fosse explorada.
            Os bandeirantes matavam os homens e poupavam as índias que eram escravizadas. Da luta e da convivência forçada com os portugueses, ficaram dois legados. “A medicina caseira, que até hoje é usada por curandeiras, raizeiras e parteiras da região; e o cangaceirismo, que tem suas origens no abandono e na miséria regional”, diz. Ele explica que os índios do sertão nordestino eram valentes, muito vingativos, nômades e grandes conhecedores da caatinga, tal qual eram os cangaceiros.
            Já da parte portuguesa ficaram os costumes oriundos da cultura judaica, pois a colonização foi feita basicamente por cristãos novos. “Até hoje, na região, é comum que o morto tenha seu corpo banhado, suas unhas cortadas e seja enterrado com uma mortalha, ou seja, com rituais da cultura judaica”, finaliza Mendes.
            Serviço –  A conferência “Economia e cultura do sertão – A civilização da seca”, será proferida pelo prof. Benedito Vasconcelos Mendes, no dia 15 de abril, das 10h30 às 12h00, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Veja a programação do evento no site http://www.sbpcnet.org.br/mossoro/home/.

ATENDIMENTO À IMPRENSA
Acadêmica Agência de Comunicação
Angela Trabbold

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