domingo, 4 de abril de 2010

Lei Rouanet ou investimento direto? Ambos!


Lei Rouanet ou investimento direto? Ambos!

Por Antoine Kolokathis*

Mais importante incentivo fiscal à cultura do Brasil, a Lei Rouanet foi criada na época de transição entre a ditadura militar iniciada pelo golpe de 1964 e o atual regime democrático.

Ela foi um aperfeiçoamento da extinta lei Sarney, nossa primeira lei de incentivo à cultura, que não previa apresentação de projeto cultural, apenas cadastramento de produtores, e que foi extinta em meio a denúncias de mau uso da legislação.

Criada em 1991, a lei Rouanet já tem quase duas décadas de intensa utilização. E tem gerado críticas de alguns setores que se sentem incomodados sobre o fato da lei delegar ao empresário a responsabilidade de escolher os projetos culturais que receberiam o incentivo.

Muito dos críticos argumentam que dessa forma é o empresariado que determina o que será produzido em termos de cultura no país e não o governo, que representaria a sociedade e teria melhores condições de fazer essa seleção.

Trata-se de um pensamento ingênuo e que merece um pouco mais de reflexão.

É importante ressaltar que na época da então ditadura militar brasileira pós-1964, bem antes do surgimento da lei Rouanet, boa parte da produção cultural brasileira era censurada: apresentações de teatro, de música, as diversas canções de Chico Buarque que foram cortadas... E toda aquela censura que infelizmente marcou essa parte da história do Brasil que não queremos que se repita.

Pois foi no clima do fim da ditadura, de surgimento da abertura política e finalmente da redemocratização, que foi pensada a lei Rouanet: para justamente “tirar das garras do Estado” o controle sobre o conteúdo cultural, pois o estado, sendo o financiador da obra cultural, poderia também controlar, manipular, censurar ou até mesmo utilizar seu conteúdo com fins eleitoreiros.

Foi também dentro desse contexto que a lei Rouanet foi criada – e seu próprio texto diz isso claramente –, para impedir que houvesse qualquer julgamento do governo no mérito do projeto cultural que solicitasse o incentivo.

A lei prevê apenas e tão somente a análise governamental técnica da ação que pleiteia o incentivo: os objetivos, planilhas de custos, justificativas, currículo do proponente, capacidade dele para executar o projeto etc.

Com isso, o governo – qualquer governo, de qualquer partido – ficaria sem condições para manipular o uso da lei.

Mas para isso, acabou-se deixando na mão de quem gera imposto de renda no país – as empresas – o poder de decidir, dentro do que o Governo aprovou, o que vai ou não receber patrocínio.

Aí entra a questão mercadológica que é muito criticada hoje por artistas e produtores e até pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira.

Para sanar isso de forma democrática e ampla, o governo deveria então estabelecer duas vias de financiamento cultural.

Uma por meio da lei Rouanet, como vem ocorrendo, com algumas correções naturais que podem e devem ser feitas, mas sem atrapalhar a evolução dos investimentos das empresas – que geram milhares de empregos e de obras culturais pelo país. Há, por exemplo, a fundamental gestão de recursos, via incentivo fiscal, de entidades como Itaú Cultural, Centro Cultural Banco do Brasil, entre outros, que constituem e preservam acervos importantes, além de disponibilizar isso de forma gratuita ao público.

Mas o governo também deveria potencializar a outra via de investimento cultural: que seria o aporte direto em projetos que, embora tenham grande valor, sejam por demais “alternativos” e/ou “provocativos” – de vanguarda demais para conseguir o patrocínio empresarial.

Seria um investimento direto do poder público, sem mexer na renúncia fiscal, por meio de orçamento público, como ocorre em boa parte dos países desenvolvidos que reservam boas verbas governamentais para investimento direto em cultura – vide caso da França.

Mas isso sem mexer na renúncia fiscal.

É importante lembrar que, em geral, o orçamento federal para a cultura sempre foi reconhecidamente escasso para as necessidades do país.

Isso infelizmente ocorre porque governos brasileiros tradicionalmente não encaram a cultura como prioridade.

Quando a lei Rouanet foi criada, há quase 20 anos, nem existia Ministério da Cultura no país. Era o MEC, Ministério da Educação e Cultura, e o nosso histórico Sérgio Paulo Rouanet, o autor da famosa lei, era “somente” um secretário de cultura.

Então, em vez de discutir se o “dinheiro da lei Rouanet” deve ficar sob decisão das empresas ou do governo, mais importante seria debater a real necessidade urgente de uma boa verba de investimento direto do próprio Estado brasileiro.

*Antoine Kolokathis (antoine@direcaocultura.com.br) é um dos mais atuantes produtores culturais do país. É diretor-fundador da Direção Cultura (www.direcaocultura.com.br), produtora cultural de Campinas que em 10 anos de existência já produziu dezenas de grandes projetos culturais gratuitos, aprovados em lei de incentivo à cultura, sempre visando educação e formação de público.

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